quarta-feira, 30 de julho de 2014

Eu, a janela e o bonde





Há alguns anos atrás, durante a minha adolescência, a internet contribuiu muito no meu processo de aprendizado. As comunidades do Orkut acabaram por preencher uma lacuna que a escola e a educação formal não tiveram interesse em ocupar. Eram diversos assuntos abordados que iam desda constatação óbvia da falta de Negras/Negros no BBB até a falha na representatividade política da/do Negra/ Negro. Mas assunto algum rendia mais do que relacionamentos inter-raciais. Era ( quase) um tópico por semana. Cada um rendendo dezenas de postagens. O Orkut, como qualquer outra rede social, também era um ambiente cheio de gente mal-intencionada. Os perfis falsos eram criados com certa facilidade e rapidamente invadiam os grupos, atrapalhavam discussões e causavam constrangimento.

Durante o mesmo período comecei a frequentar espaços físicos do Movimento Negro. Durante o grupo de estudos passava a maior parte do tempo calada. Ficava intimidada com o nível de conhecimento dos companheiros e sempre achei prudente falar pouco quando se tem muita gente em volta. Apesar do Facebook apresentar-se como ferramenta social sucessora do Orkut, acredito que as duas carregam conceitos bem distintos de interação. O Orkut foi criado com a intenção de manter contato com amigos/parentes que estavam distantes e as comunidades serviam mais como um fórum para trocas de informações e, com sorte, fazer algumas amizades. Mais do que recuperar vínculos com pessoas que moram em lugares distantes, o Facebook é uma ferramenta usada para projetar um ideal da pessoa. E é óbvio que a busca excessiva por um certo tipo de exposição também é introjetada nos espaços de militância. Eu acho que esse é um assunto que merece bem mais atenção do que pretendo dar nesse texto, mas precisava ser citado para contextualizar o momento presente e a maneira atual de lidar com o outro na internet. 

Para entender os desdobramentos da padronização comportamental e como ela interfere na dinâmica do negro em espaços de militância é preciso entender a/o Negra/Negro e a construção de sua emocionalidade. Em seu estudo sobre a classe média negra em ascensão, Neusa Santos Souza mostra que por mais que a/o Negra/Negro, de maneira forçada, mimetize o comportamento do branco, com o intuito de conquistar o status de branquitude, o faz em vão. Entender que existe uma classe média negra afetada por essa emocionalidade distorcida não é, obviamente, negar Negritude ou entender que essa classe é a classe média com representatividade política e midiática. Entender isso é estar ciente que o sistema é articulado para legitimar a exclusão sistemática do negro usando do artifício da exceção. 


Não é conflitante entender que, numa sociedade racista, exista uma parcela da população preterida racialmente que detêm certo poderio financeiro. Somente há conflito quando existe um concepção superficial de Negritude. Quem tem vivência no Movimento Negro( especialmente em espaços físicos), sabe que existem divergências sobre certas pautas e urgências e que essas não anulam em hipótese alguma( como poderiam?) a identidade da/ do Negra/Negro e seu processo estrutural de existência. 


Há, no entanto, a necessidade de saber que durante o processo de articulação política dos movimentos sociais que visam reivindicar o espaço político da/do Negra/Negro, algumas demandas são preteridas e é preciso compreender quais fatores organizam essas escolhas. Autocrítica na construção de Movimentos Negros é fundamental para a desarticulação de uma sociedade racista. Durante o processo de construção de espaços próprios para discutir a condição da/do Negra/Negro, é essencial não ignorar a parcela da população negra mais afetada. A parcela que, por motivos que bem conhecemos, é repelida de maneira extremamente violenta desses espaços de construção. Muitas vezes, inclusive, por nós mesmos.


Nathali Ignez
23 anos, Carioca e se tudo der certo, futura ex-antropóloga

O FEMINISMO É UM SÓ?


sexta-feira, 25 de julho de 2014

Hoje é dia de feminismo preto, e quem se importa?



Há dois anos escrevi um texto para o blogueiras feministas sobre o dia das mulheres negras, latino americanas e caribenhas e nomeei o texto de " 25 de julho, o dia das outras mulheres". Esse texto foi escrito meio que as pressas, e quando me foi dado o tema, acreditei que deveria logo falar sobre racismo porque era o que mais me incomodava naquele momento.  Pouco tempo depois de escrever esse texto eu me afastei completamente das atividades tanto feministas quanto do movimento negro e fiquei só de olho no desenrolar das coisas. Hoje, dois anos depois e recém de volta a militância ativa, percebo um outro cenário. Hoje o feminismo negro esta melhor organizado, existe alguma representatividade e existem muitos textos feministas por um viés negro sendo upados todos os dias na internet. Há muitas coletivas que entenderam que é preciso abrir espaço para as pretas e esta rolando um debate bem bacana. 

Em dois anos percebo muitos avanços, acho que o principal avanço é o surgimento e crescimento do blogueiras negras, que publica textos com frequência e textos que dialogam bem com a maioria das pretas, acalentando muitos corações que estavam abandonados sem referencia. Eu apoio e acho muito bom que mulheres se organizem e escrevam, nesse ponto todo avanço é positivo. Mas além de avanços positivos, houveram avanços negativos também.  

O racismo continua presente em todos os espaços e agora com novas roupagens. As feministas brancas perceberam que discutir racismo é importante para a pratica feminista, mas também descobriram que levantar o assunto de forma desonesta desvia o foco de assuntos importantes, e divide mulheres. Redescobriram um truque racista e machista famoso mas que estava esquecido: Culpabilizar mulheres e incumbir as mulheres pretas a missão de salvar o mundo. Caso a gente se recuse, seremos lembradas de tudo o que passamos com o racismo e toda a dor que a sociedade nos causa por sermos pretas. dessa forma suja, estão colonizando os espaços criados e mantidos por pretas. Racismo velho, antigo e que infelizmente seduz por causa da velha ideia de aceitação, quase um slogan " Olha só,  são pretas mas nos aceitaram". Infelizmente o assunto "mulheres negras" e racismo ainda é usado como bucha de canhão para dividir mulheres. Infelizmente, cada vez mais cresce entre feministas o fetiche sobre negritude. A loucura social sobre " o que é ser negra", e o impedimento social de negar a negritude de alguém, como se fosse um crime dizer que uma pessoa não é negra, quando ela não é. Infelizmente nos círculos feministas maiores a negritude esta se tornando uma energia, um sentimento, uma ideia que pode ser apropriada por quase qualquer um, e muitas pretas na ânsia de serem aceitas, corroboram com esse novo projeto de negritude, mesmo sem entende-lo direito porque no minuto seguinte que aplaudem uma pessoa branca se afirmando negra, se entristecem com uma outra pessoa branca usando um turbante como coroa, por exemplo. A impressão que tenho é que se a pessoa branca, que se diz negra for uma pessoa amiga, pode, mas se for uma pessoa desconhecida é desonestidade. Eu estou tentando entender esses mecanismos, mas não esta fácil, eu sou de um mundo onde ser negra é ter a pele escura ( em vários tons), e outras características físicas que dizem que você não é branco, características que isoladas não representam muito, características que conversam com afrodescendência, mas aí o papo é outro.

Enfim, em dois anos observo muitas mudanças, avanços significativos e retrocessos absurdos, mas eu acredito que os avanços são absurdamente maiores e mais importantes do que os retrocessos porque os avanços alcançam muito mais mulheres e acolhem estas que estavam representativamente abandonadas. Percebo que as mulheres comuns, que não querem likes na internet e nem serem aceitas por grupos virtuais rejeitas essas teorias malucas sobre negritude, podem até ler, podem até eventualmente curtir, mas sabem que na vida real ser preta é ser preta, e não uma ideia fetichista, seja ela antiga ou moderna.  A maior parte dos textos que acompanho nos blogs são de teorias feministas que eu não concordo tanto, mas eu fico muito feliz em ver pretas que antes tinham a vida bem distante do feminismo, compartilhando textos escritos e publicados por mulheres negras. Estas mulheres leem estes textos e se sentem bem com eles, de alguma maneira estes textos tem facilitado a conversa sobre feminismo e tem ajudado muitas mulheres a reconhecerem o machismo e racismo do dia a dia, por isso é bom que continuem a serem escritos e devemos apoiar ou no mínimo não repudiar( sobre os textos que discordamos). Foram textos escritos por pretas que me aproximaram do feminismo, e só assim eu me interessei pelas teorias e fui estudar pra saber onde me encaixo. Fico feliz que muitas outras pretas estejam se aproximando do mesmo jeito e que de alguma maneira eu possa ajudar, mesmo com meus textos ácidos. Hoje, 25 de Julho: Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, um dia de celebrações mas principalmente um dia de reflexão porque apesar dos avanços, ainda somos " as outras mulheres", façam um balanço, visitem as páginas feministas e observem: Quem esta falando sobre este dia? Qual a reflexão feita nestas páginas? porque dizer que nós somos lindas não precisa, nós já sabemos. 


Pretas sim, feministas também, vamos juntas em frente na luta antirracista!








segunda-feira, 21 de julho de 2014

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segunda-feira, 7 de julho de 2014

As Fêmeas, o feminismo e o racismo estratégico