sexta-feira, 9 de maio de 2014

Militantes do Movimento negro, quem somos?


Movimento negro & Negros em movimento




Pois bem, estamos iniciando num emprego novo, escola/universidade ou só um ciclo novo de amigos e logo alguém pergunta: E você, o que faz fora daqui? A resposta é importante, porque precisamos nos posicionar e mostrar que existimos. Então com um suor frio no  pescoço e imaginando o que virá depois, você responde: Sou militante do movimento negro. A partir dessa afirmação as reações esperadas são quase sempre as mesmas:

1-A pessoa vai passar a te olhar com um olhar desconfiado, como se você fosse ataca-la a qualquer momento. Vai agir com você na defensiva e sempre se posicionar como “ não racista”, mesmo sem saber direito o que significa isso, vai achar que é bom garantir pra evitar qualquer mal entendido. E parir daí, sempre quando for falar alguma coisa com você irá começar a frase com “ Não sou racista mas”. O pisca alerta da pessoa fica ligado, e o seu também.

2- Vai te fazer milhões de perguntas, e tentar entender resumidamente oque quer dizer a frase que você acabou de dizer. Vocês são contra brancos? Tem reuniões secretas? Posso frequentar? Tem Partido envolvido? Pra que serve ser militante do movimento negro?. A curiosidade vem do buraco profundo que a história mal contada dos negros brasileiros nos colocou. A ansiedade toma conta e, pro bem ou pro mal, a curiosidade rende longas conversas, explicações e convites. Pode acabar numa amizade profunda ou num afastamento sintomático.

3- Agirá sempre na defensiva e criticará o movimento negro dizendo como nós devemos agir e o que devemos e não devemos reivindicar. Tudo isso baseado no que a pessoa acha que é um movimento negro e o que acompanha divulgado pela TV. Normalmente não quer conversar, só ensinar e se defender, afinal para quem age assim, somos um risco.

Quem é militante do movimento negro sabe que normalmente as reações são estas e independe da etnia da pessoa . Raras são as vezes que as pessoas encaram de uma maneira normal, e mais difícil ainda é encontrar um irmão de luta que venha à somar nesse caminho tão longo que trilhamos. Muitas vezes essa dificuldade em encontrar irmãos de luta vem pela não identificação pessoal de “militante do movimento negro”. No texto anterior fiz algumas colocações básicas sobre o que é ser uma “militante”, agora irei fazer as mesmas coisas mas aprofundando dentro da negritude que gera sempre uma grande tensão. Essa tensão gerada quando nos posicionamos acontece entre pessoas negras e não negras, por motivos bem diferentes que vou explicar em outro post, aguardem.

E nas redes sociais?

Quando adicionamos uma nova pessoa em nossa rede, as elas se assustam com o volume de denuncias que fazemos e que antes na vida dela esses problemas nem existiam. Normalmente a primeira reação é de negação, irão acompanhar seus posts até não conseguirem mais segurar e vão te dizer que você esta exagerando e transformando sua linha do tempo num lugar ruim de visitar ou vão simplesmente dizer que suas atualizações deixam o dia dela mais triste, e quer que você pare! Quando as pessoas passam por essa primeira reação de negar a existência do racismo e depois de rejeitar saber da existência dele, há dois caminhos distintos que as pessoas tomam:

1- Não irão procurar nenhuma informação além daquelas que você posta e ela passa os olhos, mas irão te classificar como chata, exagerada, radical .Além de ignorar seus posts irão fazer questão de confrontar suas ideias com postagens contrárias.

2- Irão entender que você esta fazendo o possível pra tornar visível algo que não aparece em outros lugares, vai se sentir estranha por nunca ter percebido antes o que acontecia e vai começar a se informar. Se isso acontecer, parabéns, você conquistou um militante pra causa.

As pessoas normalmente procuram as redes sociais pra descansar os olhos e a mente da vida, então preferem compartilhar músicas que consideram bonitas, flores, poesias e piadas. Então quando um ativista resolve usar a rede pra algo que julga útil, as pessoas que estão for desse ciclo se sentem agredidas, incomodadas. È completamente normal se incomodar, aliás, se isso acontecer os militantes estão fazendo um bom trabalho. Acomodar-se dentro de um sistema de exclusão não é uma boa ideia, mas se você não esta mesmo a fim de ler qualquer coisa que tire seu descanso mental, basta ir lá nas configurações e não receber mais as atualizações desses militantes chatos que atrapalham a visualização de suas poesias e flores. Mas, se você esta lendo esse texto é porque de alguma forma, qualquer uma que listei ou que não compreendi ainda, você esta a fim. E se esta a fim, vamos ao básico. Os questionamentos que tento responder abaixo, são as perguntas mais frequentes que eu ouço desde que me apresento como militante do movimento negro. 

Oque é o movimento negro?

Na escola passamos bem de raspão sobre a existência de negros no Brasil e quase sempre fica em nossa memória apenas a escravidão, e a suposta submissão destes povos. Na mídia também não temos diversidade o suficiente para entender quem foram. e quem são a população negra do Brasil. Por isso para a maioria das pessoas existe uma lacuna gigantesca que impede o entendimento rápido sobre um movimento politico criado e protagonizado por negros. Sempre houve resistência negra, por isso o “movimento negro” brasileiro começou quando os primeiros negros e negras se agruparam para resistir à escravidão usando a quilombagem entre os séculos 16 e 19 e todos os levantes organizados para combater o racismo. E é possível identificar essa resistência em diversos períodos da nossa história , organizados por anônimos ou por figuras reconhecidas na história negra onde Dandara e Zumbi dos Palmares com certeza são as figura mais emblemáticas.
Com o fim da escravidão em 1888, a resistência negra continuou e foi tomando outros formatos acompanhando os avanços do país. Em 1930 surgiu a um grupo politico chamado Frente Negra Brasileira, que tinha planos de lutas organizadas, participação ativa de mulheres e foi uma das organizações mais importantes do Brasil na primeira metade do século XX. O foco da Frente Negra Brasileira era adequar as pessoas negras dentro da sociedade branca, proposta importantíssima para a época. Durante a ditadura foi impossível continuar como um grupo oficial e sólido, então logo a frente negra se esparramou montando novas estratégias de resistência. O movimento negro, enquanto proposta política, só ressurgiria 1978, quando um ato público organizado em São Paulo contra a discriminação sofrida por quatro jovens negros no Clube de Regatas Tietê, deu origem ao Movimento Negro Unificado Contra aDiscriminação Racial (MNU).
MNU em 1978 na escadaria do Teatro municipal, São PAulo
A data, posteriormente, ficaria conhecida como o Dia Nacional de Luta Contra o Racismo. Muitas pessoas já ouviram falar do MNU e acreditam que a luta do movimento negro parou aí, o que não é verdade. Hoje acredito que é mais adequado falarmos em movimentos negros, porque são vários grupos com as mais diversas divisões. Hoje o movimento negro teve seu papel ampliado não se resumindo apenas à denuncias de racismo e formas de adequação à sociedade, mas o movimento negro se faz presente exercendo um papel educativo e mantenedor das peculiaridades e identidades negras. Feito um breve levantamento do que é o movimento negro, podemos concluir que o pensamento e as ações da população negra acompanham as evoluções sociais muitas vezes se colocando à frente de seu tempo nas reivindicações, e sempre marcando presença frente a desvantagem em relação as pessoas brancas, mesmo no período militar onde não se podia protestar.

O que significa ser um militante do movimento negro?

È muito difícil traçar um significado que seja igual para todos, mas acredito que no geral quem se identifica como militante do movimento negro deseja, trabalha em favor e constrói a igualdade racial. Existem muitas maneiras de realizar esses “desejos”, uma delas é procurar um movimento negro e frequentar as reuniões, ler, estudar sobre o assunto e juntos acharem uma maneira de protestar e encontrar estratégias de defesa frente o racismo do dia a dia. Há pessoas que não gostam de fazer parte de grupos, então militam sozinhas, mas apoia os grupos maiores e as vezes participa de eventos juntos. Algumas pessoas não se identificam como militantes do movimento negro porque se identificam mais com outros grupos mas entendem necessidade e urgência da igualdade racial e por isso militam em favor da causa negra dentro dos seus grupos ( partidos políticos, igrejas, ONGs) ou só se posicionam contra o racismo e não admitem que nenhuma forma de racismo aconteça em sua presença, isso também é militar. 
 Existem pessoas que acreditam que movimentar-se sozinho é melhor e que sendo negra e melhorando sua própria vida servirão de representação para outros negros que estão ao redor, até apoiam os agrupamentos negros mas não quer se envolver e prefere agir dentro do seu núcleo, conscientizando os primos, filhos, irmãos sobre racismo e como é ser preto no Brasil S e você pensa e age desta maneira estando consciente de que vivemos numa sociedade racista que nos exclui, parabéns você é um militante e nem sabia. Todas estas formas que citei são importantes manifestações e ações que indicam vontade de mudança, a única diferença destas pessoas que estão em favor da igualdade social para quem milita dentro de um movimento negro organizado, é o apoio, acolhimento que sozinhos muitas vezes não conseguimos e em grupo encontramos outros iguais para dividir nossas angustias. Outra diferença é que trabalhando em grupo as ações se tornam maiores, mais visíveis e só em grupo é possível fazer pressão contra uma dominação ideológica que parte do próprio estado.

O que é a Marcha que acontece no dia 20 de novembro?

A primeira vez que aconteceu um ato para organizar a população negra nas ruas foi em São Paulo, ainda durante a ditadura, em frente ao teatro municipal. Os militantes que organizaram essa primeira marcha tiveram telefones grampeados e foram perseguidos. Muitas foram as caminhadas, marchas e protestos contra racismo até que fosse declarado um dia especifico pra juntar todas as frentes do movimento negro e ir juntos pra rua. O dia escolhido para a marcha foi o dia 20 de Novembro porque na mesma data em 1695, Zumbi, último dos líderes do Quilombo dos Palmares – maior e mais duradoura resistência à escravidão no Brasil -, era preso e decapitado pelo exercito português. Em 1995, depois de 300 anos de seu assassinato, Zumbi é oficialmente reconhecido pelo governo brasileiro como um herói nacional. É realizada nesse ano, no dia 20 de Novembro, reunindo em Brasília, a Marcha Zumbi dos Palmares - contra o Racismo pela Igualdade e a Vida. 
A partir disso todo dia 20 de novembro os movimentos negros, outros grupos ( sindicatos, igrejas, mulheres, gays etc) que querem o fim do racismo e pessoas comuns marcham contra o racismo. Portanto, a marcha é o momento de celebrar a memória de Zumbi e Dandara, heróis do povo brasileiro ao mesmo tempo que nos colocamos visíveis para a população em geral refletir sobre o racismo. 
A Marcha é um momento importante para encontrar os amigos militantes, denunciar as várias faces do racismo, comemorar conquistas e principalmente, nos manter juntos. Portanto essa ideia de que o gigante acordou não vale pra nós, estamos sempre alerta. A maioria das pessoas não nos vê porque as midias sempre boicotam os protestos e marchas que o movimento negro faz. Muitas vezes até repassa a noticia, mas de uma forma tão rápida que não parece que é algo importante. Muitas vezes não é nem destaque central das páginas de noticia.

A Marcha parece importante, todos os negros participam?


O movimento negro é feito por muitos negros em movimento agindo juntos, e muitos não negros apoiando. A marcha é um evento importantíssimo mas infelizmente muitas pessoas não participam e os motivos são vários. Muitas pessoas nunca ouviram falar da existência de um movimento negro, e nem que existe uma marcha contra racismo, muitas outras já ouviram falar mas não saber como fazer para participar, é chato chegar num lugar sem conhecer ninguém né? Esse tipo de coisa acaba afastando as pessoas que não sabem direito o que é ou nunca ouviram falar. Dentre as pessoas que ouviram falar e até acompanham algumas coisas nas redes sociais, há quem não goste de ir as ruas por medo de se expor, preferem acompanhar de longe e sempre arrumam uma desculpa psicológica pra não ir na marcha ( vai chover, tá frio, é muito longe, o primo do cunhado do meu vizinho pode passar e eu preciso estar aqui.), e tem muitas pessoas que não concordam com ela, por isso não vão. Há também pessoas, grupos e entidades que sabem que a marcha existe, apoiam, mas não aparecem no dia da Marcha para demonstrar publicamente o apoio a população negra, porque será?


Ser militante a favor da causa negra é ir contra brancos?


No Brasil o racismo acontece sempre de brancos para negros. Isso acontece porque o racismo é na estrutura da sociedade, é herança da escravidão e não tem como rlativizar isso. Existem pessoas negras que não gostam de pessoas brancas, mas estas pessoas negras não tem poder social para transformar esse “ não gostar” em racismo que exclui e separa as pessoas brancas. E nãao vale dizer: “Ah fui numa festa onde só tinha pessoas negras e fui excluidapor ser a única branca de lá, os negros foram muito racistascomigo!”. Você foi num evento e quando se sentiu mal voltou pro mundo onde você se vê representada o tempo inteiro e pronto, sentiu-se em casa. As pessoas negras sofrem racismo o tempo inteiro no seu mundo e quando vão tentar sentir-se em casa você vai lá e quer ser paparicada? O racismo no Brasil esta relacionado a estrutura de poder e quem tem poder é o branco. Quando se milita pela causa negra, a principal reivindicação é igualdade de tratamento social. Porque não somos tratados com respeito em praticamente nenhum espaço de convivência social. Sabe aquela parte da constituição onde diz que todos somos iguais? Nós lutamos pra tornar isso verdade e isso significa reivindicar exatamente o mesmo tratamento dado aos brancos, mas como a maioria das pessoas brancas sabe ou sente que tem privilégios, eles costumam achar que queremos roubar esses tais privilégios, mas queremos só igualdade.

O movimento negro é machista e homofóbico!

Essa acusação é a mais comum feita para afastar as mulheres negras de dentro do movimento negro. O movimento negro é feito por pessoas que vivem numa sociedade machista e patriarcal e cabe a nós desconstruir os malefícios causados por ela. Nenhum movimento é perfeito, mas se movimenta e muda de acordo com as influencias.que sofre Não é justo apontar um dedo para uma organização como se esse problema fosse exclusivo dela. O movimento negro se renova e avança de acordo com as demandas e claro, quanto mais pessoas diversas se identificarem com o movimento negro, mais plural ele irá ficar. Se afastar e apontar os erros não ajuda, fazer vistas grossas também não, por isso nós estamos sempre indo pro debate. E é perfeitamente possível montar um grupo apenas de mulheres, apenas de lésbicas negras e atuar dentro do movimento negro.




Por que militantes do movimento negro usam roupas diferentes, engraçadas, turbantes e coisas que remetem à Africa?


Nós entendemos que somos parte africanos. Temos a nacionalidade brasileira porque os fatos históricos assim quiseram, mas nossos ancestrais, que deram nossa cor de pele, cabelo e costumes culturais vieram da Africa e como n[os vivemos numa sociedade que nos ensina muito bem a celebrar a nossa parte branca, que a maioria de nós tem por causa da miscigenação, nós achamos justo e saudável equilibrarmos buscando nossas origens africanas. A intenção não é ser exótico e nem chocar a sociedade, mas nos identificarmos enquanto grupo “afrocentrado”, e esses acessórios, por não fazer parte da nossa cultura porque ela é eurocêntrica, sempre favorece uma boa conversa sobre ancestralidade e africanidade brasileira. Dentro do movimento negro não há nenhuma regra sobre a vestimenta, quem não se identifica com turbantes e roupas com estamparia africana é tão militante quanto os outros, não faz nenhum sentido haver diferenciação entre pessoas que lutam pela igualdade racial.











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